“Quis continuar a falar, mas, de repente... Calei-me”.
— Sabe por que estou eu tão contente? — perguntou-me ela — e me sinto tão satisfeita por o ver? Por que estou tão carinhosa para com você?
— Diga — perguntei eu, e o meu coração batia...
— Pois eu lhe tenho toda esta amizade porque você não se apaixonou por mim. Outro, no seu lugar, teria começado por me importunar e aborrecer teria suspirado e fingido que estava doente. Mas você foi tão franco e tão simples!
E apertou-me a mão com tanta força que por pouco eu não gritava. E riu-se outra vez.
— Meu Deus! Como você é meu amigo! — continuou depois de uma pausa cheia de seriedade. — Acredito verdadeiramente que foi Deus quem o enviou. Que teria sido de mim se não o tivesse ao meu lado? Tem sido tão bom para mim! Se eu me casar havemos de continuar assim, amigos... Como dois irmãos. Hei de gostar de você quase tanto como dele...
Custaram-me estas palavras e, naquele mesmo instante, senti um desgosto imenso; mas a seguir, qualquer coisa semelhante a um sorriso se esboçou na minha alma.
— Está muito desassossegada
— disse-lhe — pois, no fundo, tem medo que ele não venha.
— Mas que idéia! Se não estivesse tão contente, é muito provável que me fizesse chorar com essa sua descrença e com as suas censuras. Além disso, não tem feito outra coisa senão insistir numa hipótese que pode trazer-me muitas contrariedades. Mas isso fica para depois; por agora confesso-lhe que adivinhou. Eu estou verdadeiramente... Fora de mim! Eu sou toda ansiedade e percebo tudo e tudo ouço como através de uma nuvem... Mas basta... Não falemos mais de sentimentos...”
(Fiodor Dostoievski – “Noites Brancas”)
Os dias têm sido turvos, cinzentos, desbotados e chuvosos, assim como a velhice que me aguarda. Mesmo quando o sol brilha no céu azul ao longe, quando cantam o mar e os pássaros, as folhas verdes das árvores balançam ao vento... Mas tudo é triste e vazio por trás das lentes do meu espírito.
Conforme o tempo passa, percebo como estive vivendo tudo novamente, como um ciclo que retorna à sua origem e ao mesmo tempo ao seu fim, indistinguíveis um do outro, numa mesma seqüência de fatos, sentimentos e frustrações. Está tudo sempre o mesmo. Está tudo assim tão diferente e tão semelhante ao que se foi.
A promessa se repete a cada novo ciclo, a proteção que busco na solidão se mostra sólida em sua teórica invulnerabilidade. Acabo sempre quebrando a promessa e deixando que aconteça de novo, deixando que haja uma aproximação indevida por parte de algumas pessoas. Pessoas que me despertaram aquilo que nunca esquecerei, quão marcante é a sua presença em nós, tamanha a sua sublimidade e poder. Maldito seja ele.
Mais uma vez faço então a promessa que um dia me libertará de todo esse mal que maravilhoso é para o mundo. Aquilo que todos conhecem em todos os idiomas, que faz queimar seu orgulho em cinzas e desatina. Sua presença é a causa de meu sofrimento e minha solidão. Mas sou feito dele...
Minhas noites, naturalmente terminam com uma manhã. É sempre igual às outras. Nada passa pela minha mente para cumprir-se durante o dia. Os dias são assim sempre iguais... Pena ter eu perdido o costume. Terei de recupera-lo novamente; afinal, é isso o que a vida sempre me mostrou, enquanto eu me recusava a enxergar, colocando-me nos braços de alguém. Alguém, que, como sempre, não queria nada daquilo. Não era diferente da personagem acima. Bem, afinal de contas não me podem oferecer mais do que aquela mulher da história ofereceu ao seu desgraçado interlocutor. Ninguém pode oferecer mais do que isso a alguém como eu, como outros iguais a mim. Por que é tão difícil aceitar quando nos parece inevitável o nosso fim? Sei que terminará da mesma forma. De que me valerá conseguir aquilo que quero? Procuro ter a esperança de que isso aplacar-me-á a falta que ele faz.
Pelo menos, desta vez, alguém cuidou tão bem de mim antes de partir que não haverá como o rancor espalhar seus ramos negros e amargos sobre mim. Ela aumentou minha muralha, mas deixou algumas flores lá dentro.
“Hoje é o primeiro dia do resto dos seus dias.” (Thom Yorke)