"Já é tempo do meu coração não se comover
Porque aos outros já deixei de emocionar
Mas embora eu não possa ser amado
Que possa pelo menos amar."
"Não falo, não suspiro, não escrevo seu nome. Mas a lágrima que agora queima a minha face me força a fazê-lo".
- George Gordon Noel Byron.
Na noite chuvosa de dezembro vislumbrei a sua imagem da minha janela. Atravessava a rua, radiante em seu vestido azul, seu ar prazenteiro trazia-me sempre a mesma inquietação. Solitário em meu quarto eu me torturava com mil perguntas. Indagava-me o seu destino... Ou de onde retornara? Em um diminuto espaço de tempo pude ver seu rosto voltar-se para mim. Indescritível foi o meu espanto ao ver aquele “sorriso de domingo” invadir o meu âmago, submergir para o interior da minha alma, arrastar-me para si. Ao passo que, para minha desventura, fui acometido da triste impressão de que não era para mim que sorria... Retribuí ainda assim ao vazio com um aceno tão breve quanto eu, inerme, sentindo-me encabular pouco antes que pudesse despertar. Você é o mais belo de todos os sonhos...
Ora, veja só... Comecei a escrever-lhe este texto há um dia, quando jamais havia levado pouco mais de alguns minutos para redigir meus costumeiros desabafos. A noite ainda era moça, mas eu já estava ébrio, embora sem uma gota de inspiração para regar-me a fronte e fazer brotar a poesia. Amanhã hei de findá-lo. Um texto que não irei publicar, infortunadamente, pois breve surgirá nesta folha rota o segredo que talvez por vezes tenha-lhe pairado pela mente.
Em árduas tentativas busco formar primoroso discurso, almejando a perfeita justeza que você merece. É aquilo que talvez eu não chamasse de presente – oh, nem pensar! – muito embora eu ainda queira dar-lhe a declaração mais bela! Eu poderia em vão idealizar como resposta o sorriso mais fulgurante que já pude encontrar, em qualquer sonho, em qualquer fotografia, em qualquer lugar... E esse sorriso é o seu. Como são esplêndidas as suas feições, seu ar de menina – sempre tão feminina – espontânea, encantadora, cujo olhar carregado de ternura banha-me a alma em lenitivo calor.
Pressenti o que estava por vir desde aquela causticante noite de junho quando estávamos prestes a nos reencontrar após tantos anos. Voltei para casa e a inquietude revelou-me aquilo que eu tentaria negar pelos próximos seis meses! Era tão sublime e tão incabível que ainda hoje tento convencer-me do equívoco... Para depois constatar improfícuo o meu esforço.
É curioso que eu esteja revelando-lhe o que estou prestes a minutar... Estas memórias e palavras talvez não lhe sejam tão alheias... Aquela manhã de janeiro cuja data não rememoro, quando saímos para praticar exercícios após você ter me penteado (imagine!). A sensação que jamais havia experimentado até aquele dia e que jamais voltaria a degustar povoou-me inteiramente o corpo e o espírito... Olhei para você ali... Brincava tão alegre e distraída como possivelmente um dia tenhamos feito quando pequenos. Era como se todo o Universo naquele momento ganhasse sentido. A vida jamais poderia me amedrontar. E por que haveria de fazê-lo? Ela era curta e bela!
É um dos meus maiores defeitos, minha pequena... O romantismo! Cá eu me lembro de quando deixamo-nos ficar em uma poltrona qualquer, apenas para aguardar o fim de uma circunstância que aqui não me cabe narrar. Não se passou muito tempo desde então. Sem que eu pudesse perceber, lenta e silenciosamente, ao toque de minhas mãos, reclinou-me o seu corpo para vir repousar em meus braços. Eu não seria capaz de imaginar o meu semblante naquele instante imenso... Muito embora a dormência enxovalhasse-me as juntas, eu desejei que aquele momento se estendesse até o infinito! Não seria capaz de dizer-lhe quanto se passou, mas àquela hora eu tive a certeza de que não havia estado tão feliz em muitos anos... Ah, disso eu sabia!
Decidi não me reportar a demasiados fatos pretéritos, pois o que aqui escrevo é somente para você, e sei que se estiver lendo acabará por fim recordando-se de todos eles. Talvez seja capaz de compreender as minhas atitudes, por mais dolorosas que sejam as respostas que venham-lhe finalmente aclarar os pensamentos.
Agora, ao cabo de três dias, termino de revelar-lhe um segredo de quatro anos. Se desejar, queime-o, havendo a possibilidade. Ou, na dúvida, guarde-o. Apenas não diga nada. Se meu coração estiver em suas mãos como estas anotações, ambos dirão que eu a amo! Ainda que a você minhas palavras não cheguem, saberá esta folha e estas paredes, os seixos que recobrem esta rua e suas calçadas, que um dia este coração moribundo foi para sempre seu!
11, 12 e 13 de dezembro de 2008.