Aconteceu no
Dia dos Namorados. Naquela manhã, um pequeno pássaro amarelo entrou em nossa
sala. Descia à janela, desavergonhado, e, após um olhar sorrateiro, vinha
pousar sobre uma das esculturas que decoravam a grande peça de madeira, frente
a um espelho que pendia na parede. Acreditava
se tratar de uma fêmea, meiga e amarelinha como ele. Cantava e girava sobre o
próprio eixo, exibido, esperando chamar a atenção da moça. Fugia desconfiado quando
uma pessoa qualquer adentrava o cômodo, mas logo regressava, mal se contendo,
delirando amorosamente...
Alguém se apiedou
da pobre criaturinha e pôs uma fruta no parapeito da janela, pois ninguém o via
deixar seu santuário para se alimentar, a não ser à noite, quando finalmente se
retirava, provavelmente exausto. “Maluco!” – Diziam. Mas de nada adiantavam os
gritos sentidos dos moradores que tentavam, em vão, fazê-lo enxergar o engodo.
O cortejo já durava dias, e a ave pequenina intimidava-se cada vez menos com a
presença de pessoas no recinto. Compadecidos, nós o víamos trazer palha e
gravetos para construir o ninho onde ele finalmente poderia se unir ao seu
amor.
A cena começou
então a me angustiar. Entre aquele ser e eu parecia haver uma sincronia, uma ligação
misteriosa. Aquilo se parecia com um presente irônico e desdenhoso, para me
fazer olhar o animal da mesma forma que este se via refletido. Via a mesma
estupidez, o mesmo emaranhado de ilusões, o destino trágico a desenhar logo à
frente.
Não há um só
ser vivo que não caia vítima das quimeras que habitam o nosso mundo. Perdido em
sua ilusão amorosa, o pássaro se tornou tão humano quanto eu. Incorria duas
vezes em alucinação: a primeira, quando se apaixonava; a segunda, quando, sem o
notar, quedava-se enamorado por si próprio, jamais se dando conta que a sua
amada nunca esteve ali. O mais trágico pleonasmo que já existiu...
Somos sempre
nós os culpados de nossa miséria. O sofrimento é fruto das paixões, sempre
desatinadas (é intrínseco). Naquele momento, o espelho estilhaçava-se diante de
mim, sangrava-me a face horrorizada. Via-me ali mesmo, a me debater nos
emaranhados que havia criado.
Não sabia como
me salvar. Mas poderia livrá-lo. Era crueldade permitir que aquilo continuasse
por mais tempo. Com uma toalha branca, cobri o grande espelho. Findava-se a
tortura. Desmantelado, via o pequeno amigo pousar novamente sobre a janela,
confuso: a amada se fora. Ali permaneceu ainda por algumas horas, talvez um
dia, chamando por ela. A ausência agora doía em ambos. Eventualmente,
desapareceu de súbito, assim como chegara. Ainda posso ouvir-lhe o canto
desesperado. Lá fora e aqui dentro.
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