sábado, 20 de junho de 2009

Pequeno "go to sleep"...

Que se passa com os acasos loucos da vida, que armam e conjecturam emboscadas ardilosas para capturar-me o dia e os sentimentos? Por que vem atormentar-me o passado, trazido pela correnteza das minhas presentes escolhas?

A confusão insana perturba-me a mente ainda mais que o álcool, num retrocesso do que outrora foi superação. A noite é quente “just like hell” e eu descarrego as palavras sobre o papel, cambaleante, na esperança de encontrar algum alívio. Ou talvez seja apenas o calor do sangue em minha corrente alcoólica.

Uma, duas a atormentar. Embalo-me ao meu próprio torpor e ao balanço da música em meus ouvidos, enquanto tento fugir destes rostos que vêm me assombrar. Um é o amor. O outro eu não digo.

sábado, 6 de junho de 2009

A poesia inacabada...

É uma biblioteca de paredes brancas e teto de três faces anguladas. Sentado a uma poltrona, observo através das janelas de vidro o farfalhar das folhas das árvores, à brisa do final de uma tarde azul boreal.

Anseio desesperadamente pelo cair da noite, quando poderei finalmente sair e entregar-me aos anestésicos do álcool e do fumo. Há uma melodia que ressoa em meus ouvidos, de uma cor tão nublada quanto este lento crepúsculo, que me arrasta para fora das vidraças, para as nuvens, e devolve-me prontamente para a surdez do salão povoado.

Enfim, sentado à mesa do botequim, saboreio o torpor ao qual me entrego sem resistência. Ao menos na companhia de um amigo. Nem mesmo os minutos de efêmera alegria apagam da memória a labareda que consome cada fragmento de vida.

A madrugada deita sobre mim sua cortina de silêncio. Agora em meu quarto, a escuridão acalenta-me com mimoso e gelado afago. Ouço novamente a melodia – não, várias delas – e estremeço. Sigo trilhando pela estrada etérea que se revela à minha frente, por onde vagam sombras sem rosto que me guiam até o fim. Agora, um adeus.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Cantilena...

"Well I was born a blue melody
A little song my mama sang to me
It was a blue melody
Such a blue
You've never seen 

(...)

There ain't no wealth
That can buy my pride
There ain't no pain
That can cleanse my soul
No just a blue melody
Sailing far away from me 

(...)

So if you hear that blue melody
Won't you please send it home to me
It's just my 
Blue melody
Callin' far away to me"

(Tim Buckley - "Blue Melody")


A tormenta derramada pelos céus inunda-me o espírito, afogando-o num rio lamacento. A noite apresenta seu manto frio como os ventos que sopram em meu rosto.

A concentração tão caçada se esvai em diluídos fragmentos de angústia. As palavras desgastadas permanecem enfurnadas e levam-me o tempo que já não tenho. Palavras de um amor ébrio que se arrasta através dos anos cavos de minha juventude.

Esta é a minha “blue melody”, cantilena já desgastada, que envio em noites como esta para velejar ao seu único e impossível destino. Aos doces olhos castanhos que cintilam como sol no meu horizonte abrumado, nas noites insones regadas a uísque.

As palavras se engasgam em minha garganta, banhadas pelo gole da bebida candente. Aumento então a intensidade do folk em meus ouvidos, apenas para mergulhar entorpecido na penumbra glacial de uma madrugada agora escaldante. Repouso indefinidamente em minha cadeira, em meu santuário casto, no mesmo lugar onde tantas vezes o corpo dela sentou-se ao meu lado, e apenas um de nós desejar a extinção temporal. 

Meus pensamentos são malignos e remetem-me a uma agitação insana, rancorosa, ciumenta. Os bramidos vis da alma decadente retinem pelo aposento, mas todos dormem. Todos dormem. Sou aquilo que vagueia cambaleante entre prédios antigos e desnudos, ou pelos corredores do apartamento vazio, onde a viração ateia. Sou o que um dia acreditou escrever para ela, mas não pôde dizer muito mais que o mesmo.